Como Praticar o Passeio Contemplativo?
- Fernanda Paula
- 21 de fev. de 2022
- 6 min de leitura
Atualizado: 5 de nov. de 2024

Em 2022, iniciei o projeto Viajar Sem Pressa, depois de retornar da Itália - país no qual residi por um tempo. Essa experiência, transformou de forma significativa meu modo de viajar e minha maneira de contemplar o mundo.
Hoje, depois de começar a estudar os princípios da Viagem Lenta - Slow Travel, notei que essa forma de viajar possui características muito parecidas com outras atividades que eu já praticava, uma delas, o passeio contemplativo.
O que é o Passeio Contemplativo?
O Passeio Contemplativo é um jeito diferente de caminhar - ou passear - que envolve o exercício do olhar contemplativo e a prática da Atenção Plena - método de meditação focado no aqui e agora, e que pode ser aplicado tanto em um passeio quanto no dia a dia.
Uma das principais características desse passeio é proporcionar ao indivíduo - um deslocamento dos pensamentos - através da mudança física de ambiente.
Quando saímos de um lugar que estamos acostumados, e entramos em um novo, experimentamos novos estímulos, sensações e percepções, que podem mudar a forma como captamos, absorvemos e interpretamos o que está ao nosso redor.
Esse deslocamento físico, também provoca um deslocamento dos pensamentos, na medida em que, mudamos o foco da nossa atenção para outros objetos ou paisagem.
Deixar a mente imersa sob essas novas imagens e estímulos por um tempo, pode trazer-nos reflexões, bem-estar ou prazer estético, muito semelhantes, por exemplo, às emoções que afloram quando ouvimos uma bela música, contemplamos uma obra de arte ou uma poética cena do cotidiano.
O Ritual do Caminhar: Uma Filosofia de Vida.
Essa maneira de olhar profundo para as coisas, durante o ato de caminhar, era exercitada por sábios, filósofos e poetas desde tempos imemoriais.
Muitos deles, descreviam o ritual de andar a pé, como uma verdadeira filosofia de vida - que despertava os sentidos, melhorava o humor e potencializava a reflexão.
Em 336 a.C., os peripatéticos - discípulos de Aristóteles - praticavam o passeio contemplativo e estudavam caminhando ao ar livre, com o intuito de clarear os pensamentos.
Henry David Thoreau, pensador e autor do século XIX - que inspirou Tolstói, Gandhi e Martin Luther King, Jr. na defesa dos direitos civis - era um adepto das caminhadas e escreveu belos textos sobre elas:
"A arte de caminhar é a forma mais intensa de despertar os sentidos e a alma humana. Um verdadeiro hino de amor à natureza profunda e original; um manifesto pela liberdade..."
Charles Pierre Baudelaire, poeta boêmio francês, descreveu em 1860 o clássico retrato do apreciador da arte de caminhar - o flâneur - como àquele artista-poeta que enxergava o passeio a pé como um imenso júbilo:
"Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais que a linguagem não pode definir senão toscamente."

Como Praticar o Passeio Contemplativo?
Não há regras específicas para praticar esse tipo de caminhada; cada pessoa pode realizá-la da maneira que preferir.
O importante é ter como base, o exercício do olhar contemplativo e o foco da atenção voltada para o momento presente.
Para quem é iniciante na arte de caminhar, e deseja iniciar um passeio contemplativo em um parque, por exemplo, sugiro o seguinte:
1. Vista-se com uma roupa e calçado confortáveis, e caso esteja sol, proteja-se com chapéu ou filtro solar;
2. Leve uma mochila, com água e algo para comer;
3. Faça a caminhada seguindo o seu ritmo pessoal e sem pressa;
4. Comece, antes mesmo de chegar ao local, a prestar atenção ao ambiente ao seu redor; por exemplo, as dimensões e a formas das árvores; aos sons dos pássaros, etc.;
5. Escolha um lugar no qual você se sinta bem e relaxado; de preferência ao ar livre, com natureza ao redor;
6. Chegando lá, caminhe e observe mais atentamente, tudo que estimule os sentidos - audição, olfato, visão, tato - e que lhe traga algum bem-estar, calma ou prazer estético.
7. Aplique e desenvolva o hábito do olhar contemplativo durante o passeio.

O Exercício do Olhar Contemplativo
O olhar contemplativo é um modo de observação mais atento, analítico, reflexivo ou meditativo, que difere do olhar comum do dia a dia; este, muitas vezes, desatento ou despreocupado com os detalhes.
Introduzir essa ferramenta, durante um passeio, pode ampliar a percepção do ambiente, isto é, a forma como captamos, absorvemos e interpretamos o que está ao redor.
No caso de uma Viagem Lenta, por exemplo, praticar o exercício do olhar contemplativo pode agregar mais qualidade à experiência de viajar.
Podemos descrever o exercício do olhar contemplativo da seguinte maneira:
1. Caminhar, observar e apreciar toda a movimentação do local observado, atentando-se, por exemplo, aos sons, aos aromas, a temperatura, a amplitude do espaço, o ritmo do lugar, a arquitetura, etc.;
2. Prestar atenção às belezas escondidas ou desapercebidas do ambiente, por exemplo: observar os detalhes, as formas, as cores, as texturas dos objetos e da paisagem;
3. Percorrer ruas ou caminhos desconhecidos e pouco visitados, abrindo-se para surpresas agradáveis e inesperadas;
4. Fazer pausas e saborear as sensações, lembranças e devaneios que podem surgir durante ou após o passeio;
5. Passear em horários diferentes, por exemplo, à noite, no mesmo local já visitado, descobrindo o mesmo ambiente sob um novo ponto de vista.
Todas essas práticas citadas acima, são sugestões que podem ser exercitadas durante um passeio, uma viagem ou mesmo no dia a dia.
Com o tempo, esse exercício do olhar profundo, pode tornar-se em um hábito, modificando, por exemplo, a percepção que temos do mundo e nós mesmos.

Passeio Contemplativo e Viagem Lenta: Uni-vos!
No segundo post sobre Viajar Sem Pressa deste blog, elenquei as cinco principais características da Viagem Lenta. São elas:
1. Priorizar a qualidade do passeio;
2. Buscar uma experiência mais calma e desacelerada; por exemplo, observar os detalhes do lugar, analisando e refletindo sobre muitas coisas que passam despercebidas;
3. Convidar o viajante ao exercício da presença, isto é, trazer sua percepção para o aqui e agora;
4. Repensar quando e como usar as redes sociais - principalmente, o celular - no momento da viagem, focando na diminuição da ansiedade gerada pelo uso excessivo ou inoportuno;
5. Experimentar viagens sem roteiros rígidos e abertos a imprevistos.
Como podemos notar, muitos aspectos da Viagem Lenta estão intrinsecamente relacionados ao Passeio Contemplativo, entre elas: a busca pela qualidade do passeio; a observação mais atenta do lugar visitado e o exercício da presença.
Nesse sentido, podemos dizer que, o Passeio Contemplativo está contido na Viagem Lenta, e que, sem se dar conta, o viajante lento já está praticando-o.
Portanto, mesmo não tendo conhecimento uma da outra, ambas as práticas podem ampliar a percepção daquele que caminha - ou viaja - e consequentemente, gerar reflexões sobre a vida e a relação que temos com o mundo ao nosso redor; além de proporionar relaxamento e bem-estar.
Trataremos mais sobre as inter-relações da Viagem Lenta e outras áreas do conhecimento nos próximos posts.
Andar a pé: um ritual interior de sabedoria de liberdade. Henry David Thoreau (2021)
Atenção Plena: Mindfulness. Mark Williams e Danny Penman (2015)
Beleza. Roger Scruton (2013)
Caminhar, Uma Filosofia. Frederic Gros (2011)
Shinrin-Yoku: The Art and Science of Forest Bathing. Dr Qing Li (2018)
🐌 GUIA BÁSICO DO SLOW TRAVEL:
*Nota: Este post é um editorial.
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